Daniela Cracel

O Silêncio das Máquinas: Refletindo sobre a Interação Humano-IA e a Psicoterapia

Somos seres de carne e alma, capazes de sentir e refletir, ou apenas máquinas programadas para responder a estímulos e expectativas? No mundo de Clarice Lispector, a busca incessante por respostas nunca leva a uma conclusão definitiva. Isso porque, no fundo, o verdadeiro mistério está na própria busca.

Por Psicóloga Daniela Cracel

25/11/2024 às 09:37:22 - Atualizado há
Reprodução/Divulgação

Quem Somos, Realmente?

À medida que mergulhamos na era digital, com a Inteligência Artificial (IA) permeando cada aspecto da vida, novas inquietações emergem. Com tantas possibilidades tecnológicas, paradoxalmente, as pessoas parecem mais isoladas, distantes de si mesmas. Emoções emboladas, ansiedade crescente e depressão em expansão desenham um cenário que pede reflexão. A IA pode ser uma aliada, mas será que é capaz de substituir o que há de mais essencial no ser humano: o encontro consigo mesmo?


A Solidão da Conexão

A psicologia, ciência dedicada a compreender a complexidade humana, há muito alerta sobre os perigos da superficialidade. Sherry Turkle, em seu livro Alone Together, descreve como a tecnologia, com suas redes sociais e dispositivos inteligentes, cria a ilusão de conexão, mas, na realidade, nos isola. No mundo das interações digitais predominantes, as pessoas se tornam fragmentadas, perdendo a capacidade de se conectar verdadeiramente.

É nesse vazio que a psicoterapia se torna vital. Trata-se de um espaço onde o ser humano pode se encontrar consigo mesmo, refletir sobre suas angústias e emoções, sem pressa ou distrações. A IA, por mais avançada que seja, não pode escutar o silêncio, perceber a dor nas entrelinhas ou compreender a complexidade dos sentimentos humanos. Pode simular uma conversa, mas a verdadeira transformação ocorre no encontro autêntico entre seres humanos — no olhar atento, na escuta empática e no acolhimento genuíno.


A Angústia da Dependência

Com o avanço da IA, cresce a tentação de confiar nela para resolver todos os problemas. De fato, ferramentas tecnológicas têm mostrado eficácia em diagnosticar e monitorar questões de saúde mental, identificando padrões de comportamento que indicam ansiedade ou depressão. No entanto, a busca por soluções rápidas pode levar à armadilha da superficialidade.

A psicoterapia, em contrapartida, é uma jornada que exige tempo, paciência e presença. Não se trata de corrigir um sintoma, mas de explorar as camadas mais profundas da psique. A IA pode identificar sinais, mas não cria a relação de confiança necessária para que uma pessoa se sinta segura ao explorar traumas e emoções complexas. A cura verdadeira nasce desse processo contínuo e humano de autoconhecimento, algo que máquinas não podem proporcionar.


O Clarão da Possibilidade

A IA tem valor quando utilizada de forma adequada. Pode ser um recurso para oferecer suporte, fornecer informações e auxiliar na gestão de sintomas, como já ocorre com programas de terapia cognitivo-comportamental online. Essas ferramentas são especialmente valiosas em contextos de acesso limitado a profissionais de saúde mental. Entretanto, a IA deve ser vista como um complemento, não como substituta da psicoterapia tradicional.

Kerstin Dautenhahn, especialista em robótica e IA, afirma que o objetivo não é substituir o humano, mas ampliar suas capacidades. A tecnologia pode ajudar a identificar sinais precoces de distúrbios emocionais e educar sobre saúde mental, mas o contato humano continua sendo essencial para o processo terapêutico. A transformação ocorre no encontro com o outro — um processo profundamente humano e emocional.


Conclusão

A IA desempenha um papel importante no mundo moderno, especialmente no apoio à saúde mental. Pode monitorar, diagnosticar e até oferecer suporte emocional básico. Contudo, a psicoterapia permanece insubstituível como espaço de acolhimento, reflexão e transformação. Não se trata de excluir a tecnologia, mas de usá-la com sabedoria, garantindo que ela complemente — e não substitua — a experiência única e transformadora de reconexão consigo mesmo.


Referências Bibliográficas

  • TURKLE, Sherry. Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other. New York: Basic Books, 2011.
  • PICARD, Rosalind W. Affective Computing. Cambridge: MIT Press, 1997.
  • DAUTENHAHN, Kerstin. Socially Intelligent Agents: Creating Relationships with Computers and Robots. 2000.
  • HINTON, Geoffrey. Deep Learning. Cambridge: MIT Press, 2016.
  • LISPECTOR, Clarice. A Paixão Segundo G.H. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1964.
Psicóloga Daniela Cracel

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